Wednesday, April 09, 2003

interlagos 2003 - opinião do BOI
O relato de um sobrevivente

Sete e vinte da manhã. Eu, Diego e uma galerinha de Caçapava chegamos ao Autódromo Internacional José Carlos Pace. Quase todos trajados em vermelho - eu estava de laranja, pra não destoar muito. Uma fila, três bonés, uma camisa da Ferrari e um policial figura depois, chegamos ao Setor A de Interlagos. Entrada dos boxes, áreas VIP, safety cars, bandeiras da Colômbia e colombianos por toda parte, subida do café, quase todo o circuito menos o S do Senna, curva do Sol e o Laranjinha. Era isso o que eu via. Eu tava é tenso pra caralho! Porque o maldito Gordo não iria decepcionar aquela massa de gente com camisa polo da Ferrari. Era tecnicamente impossível. Pole, carro em cima, Michael Schumacher em sétimo, tudo perfeito. E iria chover. Eu não estava nem aí, nosso amigo Rubens curte correr na chuva, não curte? Então tá tudo certo. Nós tomamos chuva e o cara ganha. Um bom trato. E eu passei boa parte do domingo BASTANTE ensopado.

Papo vai, papo vem, alguns karts, a gente enrolou o tempo um pouco até a hora da F-Renault. Primeira diversão do dia: acompanhar a corrida da única piloto mulher da corrida, Bia Figueiredo. Porque mulheres são um fato raro naquele lugar. E nunca leve a sua a Interlagos, a não ser que você queira ser ovacionado aos gritos de "sócio". Voltando à nossa querida Bia, ela não foi muito além das ultimas posições mas não fez feio. Esteve sempre fazendo algumas ultrapassagens aqui e ali.

Mais ou menos às onze horas, começou o desfile de carros antigos. Num deles, a Karmann-Ghia nº2, estava o diretor da Volkswagen da América, mr. Paul Fleming, que inclusive é ex-piloto, com Bernie Ecclestone de passageiro. No mínimo o velho estava pondo em prática mais uma das etapas do xaveco da FIA na Volks para um futuro ingresso desta na categoria. Devia estar escrito "OVER VIP" na credencial desse Fleming, com direito a poltroninha com pipoca e coca-cola, telão 77" e Daniella Cicarelli à vontade. Tudo por mais U$$ 45 milhões anuais pro tio Bernie.

Porém o desfile do antiquário que deveria durar quatro voltas, durou apenas três. todos estranharam até que a razão caiu sobre suas cabeças. PESSOAL, CHOVEU PRA CARALHO. Pra caralho MESMO. A arquibancada mudou de vermelho para branco e amarelo. E o safety car entrava de quinze em quinze minutos pra ver como estava pista.

Ah, e numa das tréguas da chuva, o helicóptero da Grobo filmou a gente. Se vocês viram alguma faixa de Caçapava, eu estava por ali, de capa de chuva e com meu bonézinho preto da Ferrari recém-adquirido. Farofers com orgulho.

Uma da tarde. Chuva fraca. Alguns dos mecânicos vão tomando suas posições no grid. Quando aparece o pessoal da Williams, os colombianos atrás da gente começam a gritar "Montoya, Montoya!" e, claro, fizemos um adendo "viadinho" ao coro, logo depois modificado para "maricón" para uma melhor compreensão de nuestros hermanos. Param de gritar na hora. Eu estava exatamente na linha dos nossos Antonio Pizzonia e Cristiano Da Matta - e seus mecânicos foram devidamente ovacionados. Principalmente o pessoal da Toyota que estendeu uma bandeira do Brasil sobre os pneus de chuva que estavam sendo preparados para a troca.

Uma e meia. Carros da pista. Tensão. Pizzonia é um dos primeiros a alinhar e é festejado pela galera [tudo lá é motivo pra festa, até disputa entre mecânicos no pitlane - no caso Toyota vs. BAR]. O jungle man saiu do carro, acenou pra galera, praticamente o mr. simpatia. Já o Da Matta não saiu do carro em nenhum momento. Deu pra ouvir aqui e ali uns gritos de "anti-social" dirigidos ao rapaz. Quando Rubens Barrichello passou foi a festa geral. "Esse é o cara!", gritavam ao meu lado. "Hoje vai!", gritava outro.

Uma e quarenta e cinco. Volta a chover forte pra caralho. Provavelmente teremos largada com safety car. Do ponto onde eu estava, os únicos trechos que não se podia ver era o S do Senna - curva do sol - início da reta oposta e o Laranjinha - primeira perna do S do miolo. Não tinha nem idéia do rio que passava lá no Berger e também não vi nenhum daqueles acidentes que vocês viram pela TV, exceto o último. Mas volto nesse ponto outra hora. Acabou que com toda aquela chuva, adiaram a largada em 15 minutos. E estava certo, afinal o único esporte possível naquele momento seria uma corrida de lanchas off-shore.

Duas e quinze. Menos chuva. Tensão. Safety Car na pista e Pizzonia, Frentzen e Verstappen no box, modificando a estratégia. Da Matta e Justin Wilson agradecem. Olho lá pro início do grid e vejo se o Rubens largou. "Beleza, tá andando. Vamo que vamo meu filho". E dalí seguem-se seeeeete looooongas voooooltas com a porra do safety car na pista. Mais tensão. "Aproveita e termina a corrida assim com o Barrichello na frente!!!", gritam ao longe. Não há mais como ouvir a narração da Rádio Bandeirantes no circuito, a não ser com todos os carros na reta oposta.

Apagam-se as luzes o Safety Car. "Vai seu gordo maldito, vê se corre agora!!!". Rubens segura todo o bolo. Segura demais. "Pronto, alguma coisa fodeu e ele não tá achando a marcha". No início da subida do café ele resolve acelerar. "Lá vem eles!". Mas Rubens evita as faixas do box pintadas no chão e percorre o Café por fora. Coulthard vai por dentro e entra mais forte na reta. "Filho da puta! Ele vai passar!". Rubens não tem como evitar a ultrapassagem.

Barrichello passa em segundo, pressionado por Mark Webber, Raikkonen, Montoya - que vinha da 9º colocação - e Schumacher. Cauteloso demais no início perde posições para todos esses nas 3 voltas seguintes. "Caralho, o que tá acontecendo? Pesado ele não tá!". Enquanto isso, Montoya pressiona Coulthard e o ultrapassa no S do Senna. O colombiano é o segundo e prestes a acossar Raikkonen. "Montôôôya!!! Montôôôya!!!", gritam lá atrás. Mas já não chovia desde a largada e a pista começava a secar. O colombiano, com o carro acertado para chuva, perde a posição pra Coulthard e é alcançado por Webber e Schumacher. Rubens começa a recuperar o prejú de seis segundos do alemão.

Schumacher então dá seu showzinho na volta 15, passando Webber e Montoya, inclusive com um belo traço por fora no colombiano lá no bico de pato. Rubens chega nos dois na volta 17 e ultrapassa o australiano quase na minha frente. "Olha lá o Rubinho ultrapassando o Webber!". "A pista tá secando, ele vai andar agora!". Ao mesmo tempo, Schumacher começava a chegar em Coulthard. "Ah, então é isso, Rubens deixa o alemão passar e os dois vão recuperando durante a prova e fazem uma dobradinha no final. Jogo de equipe versão 2003".

Do nada, Schumacher e Coulthard vão pros boxes. "É isso!! Eles estavam mais leves. Vão com Deus!". Mas Montoya e Rubens também entram nos boxes. "Ah, caralho!". Era o Safety Car. "Porra, de novo? O que aconteceu?". Pode parecer piada mas eu não fiquei sabendo da batida entre Ralph Firman e Olivier Panis antes de chegar em casa. Eu sabia só que era alguma batida, mas não sabia em qual dos "portos cegos" havia acontecido. "Bom, o Rubens tá na pista. Isso é o que importa e... Ei, olha lá, ele ganhou do Montoya no pit!".

Agora as posições eram Kimi [que não havia parado], Coulthard, Schumacher, Da Matta [idem a Kimi], Barrichello, Montoya e Pizzonia [idem a Da Matta]. Mais três voltas de SC e voltamos à ação. Barrichello novamente não vai bem na relargada mas pelo menos não pertde posição. "Putz, será que ele ainda não aprend... Ei, olha lá o cara passando o Da Matta por fora!". A galera levantou nessa. Agora eram dois prateados contra dois vermelhos. Tensão. "Vai Schumacher, passa a porra do Bonus logo e chega no Kimi". Na volta 24, Montoya e Pizzonia desaparecem do "trenzinho". O pessoal atrás de mim se desilude. Eles bateram na curva do sol mas, pra variar, não sábíamos o que havia acontecido.

Volta 26. Apenas UMA Ferrari pinta no final da reta oposta. Tensão. "Caralho, o Rubinho ficou, fez alguma merda". Então o onisciente coletivo dá-se conta de que era Schumacher quem havia ficado. "Aeee, o filho da puta ficou pra trás!!! Hoje é o dia!!!". Vibração total no total no setor A. Rubens em terceiro e safety car de novo na pista. E Kimi nos boxes. Então era Rubens o segundo. "Puta que pariu, vai de virada!!!".

Sai o safety car, volta 29. De novo o Barros não vai bem na relargada. "Olha lá o Ralf passando, puta merda... Não! O Rubinho devolveu! Hahaha, é o bônus nº2** mesmo!". A perseguição ao escocês cagão começa. Mas aí o Button bate na curva do sol também e adivinhem quem entrou na pista...

Maaais trêêês voooltas de safety car, mais uma relargada meia boca de Rubens porém sem sustos. Rubens vem sempre perto de Coulthard mas nunca a ponto de passar. Tensão. Kimi Raikkonen vem se recuperando perigosamente e passa Webber e Ralf com uma facilidade impressionante. "Pronto, olha o cara chegando. Fodeu". Raikkonen não chega na briga pela liderança. Rubens e Coulthard estavam bem mais leves do que ele e abrem quase um segundo por volta de diferença. E a pista cada vez secava mais.

O que se segue nas quatro voltas seguintes é digno de filme de Hitchock. Barrichello aperta David e deixa o público de pé toda vez que passa pela reta. "Putz, o cara tá com a tocha". Forço para ver como está a situação no final da reta oposta. "O cara vai passar, não é possível. Questão de tempo". Uma, duas, três voltas. Na volta 45, eu e um tiozão de bigode que estava do meu lado temos a mesma idéia. "Nem vou levantar dessa vez". "Eu também não". Coulthard erra no final da reta e Rubens assume a liderança. "Acho que funcionou".

Rubens passa na reta em primeiro pela primeira vez desde o safety car inicial. CATARSE. Um filho da puta meteu a mão na frente da minha máquina na hora que eu bati a foto. Foda-se, eu ainda teria mais 25 chances de bater aquela foto. Teria. Porque na volta seguinte o carro do Barrichello simplesmente parou. Simplesmente parou. Ali, depois da decida do lago. Incompreensível. "Olha lá, o Rubinho parou!". Cacete, de novo essa merda desse carro. Depressão coletiva ao meu lado. Ninguém xinga. Todos simplesmente abaixam a cabeça. "Porra, mas ele tava abrindo do Coulthard", disseram. "Só falta a ferrari... Não, pane seca não deve ser".

Uma boa parte resolve ir embora. E mesmo entre os que ficaram, quase ninguém prestou atenção a um dos mais conturbados finais de corrida da história da Formula 1, com direito a mudanças de última hora em regras históricas.


Alonso, depois de escapar da morte a menos de 100 metros de onde eu estava


Volta 49, David Coulthard faz sua parada, deixando Kimi Raikkonen na liderança e Giancarlo Fisichella - quem diria - na segunda posição. Fisichella havia parado na penúltima volta do safety car inicial e vinha com um estrátégia maluca e um carro levíssimo; e incrivelmente pressionava Raikkonen. Na volta 53 [cinquenta e três], Raikkonen erra na descida do mergulho e Fisichella o ultrapassa. Fisichella abre a volta 54 [veja bem, CINQUENTA E QUATRO] na FRENTE de Raikkonen. Na mesma volta 54, Mark Webber perde o controle na subia do café e bate violentamente no muro. É DADO O AVISO DE SAFETY CAR E BANDEIRA AMARELA E A VOLTA 54 É COMPLETADA PELO LÍDER FISICHELLA E POR RAIKKONEN. Quando Fernando Alonso iria completar a volta, ele encontra destroços do carro de Webber pela pista e bate violentamente. Este acidente provoca a BANDEIRA VERMELHA, mas na volta 55 [veja bem, CINQUENTA E CINCO]. Ou seja, para uma relargada ou encerramento de corrida contariam os resultados da volta CINQUENTA E QUATRO, A ÚLTIMA VOLTA ANTES DA BANDEIRA VERMELHA. A regra sempre se referiu à última volta antes da bandeira vermelha. Foi assim naquela corrida de Mônaco/84 em que Senna ultrapassa Prost na reta na volta da bandeira vermelha, foi assim quando o próprio Senna morreu, Ímola/94, foi assim quando o Panis fodeu as duas pernas no Canadá, Montreal/99. Porra, e o líder na volta 54 era GIANCARLO FISICHELLA. A porra da bandeira vermelha foi na volta CINQUENTA E CINCO. A vitória era do italiano e PONTO.

Mas os senhores comissários de prova alegaram que a bandeira vermelha foi dada na volta 54, no acidente de Mark Webber. ENTÃO ALGUÉM PODE ME EXPLICAR O QUE ESTAVA AQUELE FISCAL NA MINHA FRENTE AGITANDO UMA BANDEIRA AMARELA NA HORA DO ACIDENTE DO ALONSO? Seria ele daltônico? Não. Os senhores comissários é que tinham fogo no cu mesmo. Deram a vitória ao Raikkonen, líder na volta 53.

Falando em fogo, Fisichella chega aos boxes com o carro em chamas. Fantástico. O motor do carro dele começou a explodir na frente do Diego [que tirava fotos do carro do Alonso] e começou a esfumaçar na minha frente [eu estava a uns 20 ou 30 metros depois]. Não daria mais meia volta com aquele carro. De longe vi sua comemoração, uma pena mas toda em vão. Na confusa classificação final, Alonso aparece em terceiro. Machucado pelo acidente, não comparece ao pódio e provoca outra coisa inédita na minha vida: um pódio só com dois competidores.

Aos poucos os caminhões de serviço vão trazendo os carros que ficaram pelo caminho. O de Barrichello é aplaudido por alguns. É... Hora de voltar pra casa.

Caminho pela multidão e acho bandeiras da França, Canadá, Colômbia [eles ficaram até o final da corrida] e, algum tempo depois, Finlandeses com camisas da Ferrari [?]. A van que nos levaria pra casa não nos informa de sua localização e ficamos inutilmente esperando-a por uma hora e meia no ponto combinado. Saímos de São Paulo apenas às 19 horas. Detalhe: cheguei em casa às 21:20, ainda com as calças e os pés encharcados de chuva.

***

No dia seguinte todos pareciam querer passar a mão na minha cabeça, com dó de mim. "Nossa, eu nunca queria estar lá no seu lugar". Pô, mas eu adorei a corrida! "Tomar toda aquela chuva pra ter aquela decepção". Aí quando eu vejo o tape da corrida, descubro o porquê. Galvão Bueno, sempre ele, mandou essa quando o Rubinho quebrou: "Eu estou completando 22 anos transmitindo o GP do Brasil e 29 anos de Fórmula 1. Eu nunca senti uma tristeza tão grande com um carro quebrando, por todo o trabalho que esse rapaz fez...". Ah então foi isso, o Galvão. Mas se não fosse por ele, a Globo não esataria mais transmitindo a F-1. É ele quem convence a Vênus Platinada a pagar R$ 20 milhões pela transmissão do meu esporte preferido. Tá perdoado.

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* Berger: É outro nome dado à curva do sol. Veio em 1993 após o acidente do nosso segundo piloto preferido, o glorioso Gerhard Berger, com sua Ferrari nos treinos do GP daquele ano. E que me desculpe o Barrichello, mas o Berger sempre vai ser o melhor segundo piloto de todos os tempos. Vez em quando dava um canseira no Senna.

** Bônus nº2: Ralf Schubicha sempre foi freguês de Barrichello em disputas de posição na pista. Tudo começou no GP da Espanha em 2000 onde Michael "Muy Amigo" Schumacher deu uma forcinha para o brasileiro ultrapassar Ralf no fim da corrida. E em 2001, Barrichello passou Ralf por fora em Monza numa manobra maravilhosa. Algumas corridas antes, Barrica já havia ultrapassado David Couthard por fora duas vezes em Hochenheim, outras duas manobras maravilhosas. O escocês é o Bônus nº1, claro.

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Trecho de post do dia 6/02/2003, com previsões sobre Interlagos:

"Mark Webber vai largar em 18º e vai vir passando todo mundo [o cara é da Austrália, então deve ter nascido sem a noção do perigo], andar em 4º mas com estratégia de 3 pits, vai cair pra 5º, ou seja, vai ser o nome da corrida."

Eu falei que o cara é foda, não falei? É esse, o Kimi e o Montoya que vão substituir o alemão quando este se for. Mark Webber é da linhagem dos grandes.

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Alguém pode me dizer quem foi o maconheiro lesado que inventou esse negócio de contar duas voltas antes da bandeira vermelha? Isso é ridículo. Completamente ridículo. Eu que sou mais bobo e acompanho a F-1 a 16 anos nunca vi isso.

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Algo me diz que o campeonato NÃO vai acabar com a F2003-GA. As Mclarens vêm forte demais. E a Renault ganha uma até o fim do ano. Nada nada, os franceses são o time mais regular da temporada.

E Ferrari... PANE SECA É HUMILHANTE PRA CARALHO!!! Logo na melhor corrida da vida do Rubinho? Tenha dó...

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E ano que vem eu tô de novo em Interlagos. Quem sabe com uma melhor máquina fotográfica e/ou um melhor ângulo para fotos. Porque as desse ano saíram uma merda. Bem, foda-se! O que vale é a festa. O Rubens ganhar é consequência.

[Depois eu falo que gosto mais de Formula 1 do que de rock e ninguém acredita]

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